sexta-feira, 17 de maio de 2024

Um método para identificar em que aprimorar-se

“Entretanto, cada um tem em seu próximo um espelho, no qual vê claramente os próprios vícios, defeitos, maus hábitos e repugnâncias de todo tipo.”
 
(SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a sabedoria de vida [Aphorismus zur Lebensweissheit]. Cap. V: Parêneses [exortações] e máximas. [C] Nossa conduta para com os outros)
 
Eis um alerta. Se algo em outra pessoa chama muito a atenção no sentido de causar incômodo, talvez esse algo seja um vício, defeito, mau hábito e repugnância presente em quem o percebe.
 
Se quem nota tal característica não tem, em si, nenhuma parcela dela, por que tanto lhe toca? Será mesmo que o ser humano é afetado por aquilo com o que em nada se corresponde? Ou será que vê no outro o que, no fundo, desejava que fosse melhor, primeiro, em si mesmo?
 
Schopenhauer também chama a atenção para o fato de que:
 
“esse adestramento de si mesmo, resultado de longo hábito, sempre fará efeito como uma coerção vinda de fora, contra a qual a natureza nunca cessa de resistir, às vezes violando-a inesperadamente.” (Ibid.)
 
É necessário adestrar-se habitualmente ao longo do tempo. Uma forma de descobrir quais são as características em si que necessitam de tal tolhimento é observando o que nos outros incomoda ao próprio sujeito.
 
Se a alguém muito incomoda a gula dos demais, talvez seja porque ele próprio é um glutão.
 
Aristóteles com certeza concordaria que para livrar-se de maus hábitos, chamados vícios, é necessário um demorado exercício conduzido ao longo do máximo de tempo quanto possível. No entanto, para isso é necessário primeiro bem identificar o problema verdadeiro e aí parece estar a grande utilidade de prestar atenção a o que nos outros incomoda ao incomodado.
 
Que se use esse incômodo para sair da acomodação e realizar uma transformação no próprio caráter, para melhor. Só assim o incômodo pode cessar e uma harmonia reinar, o que necessariamente ocorre a partir de si, trabalhando primeiro por um bom ordenamento das próprias ações.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

O tempo destrói o absurdo e constrói a verdade

“A cada absurdo dito [...] escrito [...] e bem acolhido ou, pelo menos, não refutado, não devemos nos desesperar [...], mas sim nos consolar, sabendo que mais tarde será gradativamente ruminado, elucidado, pensado, ponderado, discutido e, em muitos casos, por fim julgado corretamente.”

(SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a sabedoria de vida [Aphorismus zur Lebensweissheit]. Cap. V: Parêneses [exortações] e máximas. [C] Nossa conduta para com os outros)

“absurdo: adjetivo: [...] 2. que não se enquadra em regras e condições estabelecidas. 3. substantivo masculino: aquilo que é contrário à sensatez e ao bom senso. [...] latim: absūrdus,a,um ‘destoante, tolo, sem sentido’” (Oxford Languages. Absurdo)

Para que qualquer coisa exista, seja neste universo ou em outros, são necessárias regras. Condições estabelecidas. Que as coisas sejam de um ou uns jeitos e não de outros. 

Por exemplo, neste universo é necessário que tudo esteja em movimento. 

Dizer que há algo imóvel neste universo é um absurdo para as regras e condições estabelecidas para a existência deste universo. É contrário à sensatez da maneira como se percebe o universo, é contrário ao bom senso a respeito do ambiente no qual a humanidade vive. 

Se alguém pretende defender que neste universo há algo genuinamente imóvel, não se deve se desesperar. Há duas possibilidades: que tal defesa continue sendo propagada e estudada ou que seja esquecida. 

Se cair no esquecimento, o problema está solucionado. O absurdo findou. 

Se, por outro lado, continuar sendo propagado um tal absurdo, inevitavelmente ele será mastigado, esclarecido, analisado etc. Assim, se tal absurdo – investigado ao longo do tempo que for preciso – não for genuinamente correspondente à verdade enquanto apercepção correta da realidade, em um dado momento, ou em outro, o absurdo deve ser refutado. No mínimo, por eliminação de possibilidades, ao longo do tempo, eventualmente, se constatará a sua absurdidade e restará apenas a verdade.

Inicialmente, a humanidade pensava que a Terra era imóvel. Depois, investigando o universo com base nessa possibilidade, percebeu que não podia ser verdadeira e que a Terra se movia ao redor do Sol. Em seguida, passou a pensar que o Sol, por sua vez, era imóvel. Porém, não se tardou muito a descobrir que o próprio Sol e todo o seu sistema – que inclui a Terra – está se movendo ao redor do centro da nossa Galáxia, que deve ser um Buraco Negro chamado Sagitário A. 

Quanto mais se avança, mais incerto fica o nosso conhecimento a respeito de como exatamente, mas por outro lado parece cada vez mais certo que tudo está em um grande movimento e o tempo – o registro da movimentação humana pela Terra, até então – é que possibilita todas essas e quaisquer outras percepções das quais se dá conta e se profere pretendendo sempre alcançar uma verdade última e absoluta.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

O exterior influencia o interior

“Devemos acostumar-nos a considerar nossas forças intelectuais como funções absolutamente fisiológicas, a fim de tratá-las, poupá-las e empregá-las adequadamente, lembrando-nos de que cada sofrimento físico, cada incômodo, cada desordem, independentemente da parte do corpo que afetam, atingem também o espírito.”

(SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a sabedoria de vida [Aphorismus zur Lebensweissheit].. Cap. V: Parêneses [exortações] e máximas. [B] Nossa conduta para conosco)

O que seria do intelecto humano sem um aparato corporal para lhe dar suporte? O que poderia pensar se não tivesse um corpo através do qual entrar em contato com outras coisas materiais?

O corpo físico é fundamental para a realização intelectual do ser humano. É o que fornece as condições necessárias para que essa aconteça.

Como é dito em documentário cuja lembrança remonta a este que vos escreve há quase 15 anos, o ser humano “se diferencia de animais por duas características: possuir um telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor” (FURTADO, Jorge. Ilha das flores).

Inegavelmente, o ser humano é um ser corpóreo, seja lá o que isso queira dizer exatamente...

O que interessa é que, sendo assim, de tal forma que não é possível ao humano escapar da sua apercepção como sendo um ser corpóreo, é necessário que, se deseja amadurecer o fruto do seu telencéfalo altamente desenvolvido, para que possa dele tirar proveito, trate bem o seu corpo, o poupe do desnecessário e o empregue adequadamente.

Ter um corpo livre de todo e qualquer sofrimento desnecessário, ou seja, de incômodos ou desordens, é ter um corpo pleno para que se desenvolvam as possibilidades do que se apercebe como interior, do intelectual.

Um sujeito que vive com uma dor nas costas, não pode, ao sentar-se para estudar, concentrar-se plenamente... Da mesma forma, um construtor, ao arquitetar uma estrutura que necessita ser erguida para a realização da sua obra, se sofre de uma terrível dor de estômago, não poderá concentrar-se para conceber como essa estrutura necessária pode ser trazida à concretude.

Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são.” (JUVENAL. Sátira X).

Apesar disso, se o corpo não for são - como é o caso de pessoas acometidas por certas doenças, sendo algumas delas grandes nomes da humanidade, como Stephen Hawking (1942-2018) - ainda é, sim, possível que a mente seja sã. Mas, é inegável que ela será atingida pela condição do corpo e será necessário um outro esforço, diferente do usual, para que se desenvolva em toda a sua força.

Um corpo são facilita o desenvolvimento da vida comum. 

Um corpo com determinada deficiência pode facilitar o desenvolvimento de percepções não comuns. 

Para um surdo, por exemplo, com certeza é muito mais evidente do que para ouvintes que o ato de pensar não é simplesmente "falar palavras dentro da sua cabeça, em silêncio", mas um ato muito mais rico que envolve, por exemplo, pensar sensações, cores, cheiros, ações etc.

A vida exterior afeta a interior, seja como for. 

Não se emitem aqui juízos de valor, apenas se pretendem explicitações, plenamente sujeitas a equívocos e sempre abertas a revisões.

terça-feira, 14 de maio de 2024

Recomenda-se pensar para emitir pensamentos...

“aconselho que se habitue a levar para as reuniões sociais uma parte de sua solidão, que aprenda, mesmo em companhia, a estar sozinho em certo grau, logo, a não comunicar de imediato o que pensa.”
 
(SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a sabedoria de vida. Cap. V: Parêneses [exortações] e máximas. [B]: Nossa conduta para conosco.)
 
Falar o que se pensa, sem antes refletir a respeito, é perigoso. Corre-se maior risco de cometer um erro.

Por isso, é melhor a todos que ao estarem em companhia de outras pessoas, seja quem for, se aja como se estivesse, num primeiro momento, a sós. Ou seja, quando se está a sós, apenas se pensa. No máximo se fala para si mesmo. Não para outros. 

Que a primeira parte da conduta humana seja sempre essa: falar para si antes da parte que envolve falar para os outros parece sempre ser mais saudável, pois se trata de uma oportunidade de refletir a respeito do que se quer expressar. Voltando novamente o pensamento sobre algo, a chance de cometer um erro a respeito desse é menor. Há mais tempo para se examinar o que está em questão. 

Se trata de uma medida preventiva. 

Estar sozinho em certo grau, mesmo na companhia de outras pessoas, visa o bem, ou ao menos um bem: não cometer erros ao expressar-se, não falar o que não se quer dizer, não se comprometer indevidamente, mas apenas intencionalmente, propositalmente, após devida e detida revisão do que se quer externar.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Felicidade nem sempre é alegria!

"Nenhum caminho é mais errado para a felicidade do que a vida no grande mundo, às fartas e em festanças [...] numa sucessão de alegrias [...] não conseguimos evitar a desilusão;"

(Schopenhauer. Aforismos para a sabedoria de vida. AL. Cap. V: Parêneses [exortações] e máximas. [B] Nossa conduta para conosco.)

Para Aristóteles, "A felicidade pertence àqueles que bastam a si mesmos" (Apud. Ibid.). 

Nenhum caminho é menos acertado para a finalidade de ser o suficiente para si mesmo do que viver em um mundo onde tudo precisa ser grande, onde toda satisfação, de toda necessidade, precisa atingir o máximo da fartura e toda comemoração deve ser uma enorme festa que pretende suceder alegrias atrás de alegrias sem fim. 

Com tal objetivo, o cair fora da ilusão de que algo assim seria possível é inevitável, pois dentro da dinâmica da existência, como já afirmava Sócrates, o prazer sempre é acompanhado pela dor e vice-versa. 

Ele explica isso após muito tempo em prisão (na qual foi colocado devido às injustas acusações contra sua conduta), com apertadas algemas que machucavam seus braços e pernas, quando finalmente foram removidas e aquela intensa sensação aliviou-se, sentiu prazer. Se não houvesse tal contraste, a alegria de tê-las removido seria impossível. 

O mesmo vale para cada uma das alegrias humanas. Se sempre se procura preencher o tempo ao máximo com alegrias, só se poderá frustrar-se, pois necessariamente elas acabarão. 

A felicidade não é o oposto da tristeza. O oposto da tristeza é a alegria e ambas fazem parte da felicidade. Perseguindo os objetivos que se tenha, sendo verdadeiros, procurando bastar-se a si mesmo, fazer de tudo para cumprir com os propósitos que se ergue para si, necessariamente haverão momentos difíceis e outros fáceis, dolorosos e prazerosos, tristes e fáceis. 

Tudo isso é parte de viver uma vida feliz. 

Um mar de rosas. Mas rosas têm espinhos. Eles protegem a flor!

sábado, 11 de maio de 2024

Limitações favorecem a felicidade!

"toda limitação, até mesmo a intelectual, é favorável à nossa felicidade. [...] tornar-mos-emos felizes pela maior simplicidade possível de nossas relações e até mesmo pela uniformidade do modo de vida, enquanto esta não produzir tédio; [...] O que, em última instância, importa para o nosso bem-estar é aquilo que preenche e ocupa a consciência. [...] a vida ativa voltada para o exterior nos distrai e desvia dos estudos, retirando do espírito a tranquilidade e a concentração necessárias, a ocupação espiritual incessante também nos torna mais ou menos inaptos para as agitações e tumultos da vida real."

(Schopenhauer. Aphorismus zur Lebensweissheit. AL. Cap. V: Parêneses [exortações] e máximas. [B] Nossa conduta para conosco.)

Um ser humano feliz é um que cumpre com o seu propósito. Para tanto, com certeza será necessário limitar-se a não realizar uma série de coisas que não estão alinhadas com tal objetivo. Quanto mais simples for a visão de qual é essa finalidade que almeja com a sua vida e quanto mais uniforme for a maneira segundo a qual, a cada dia, procura realizá-la, maior será também a felicidade, a percepção do chegar ao que almeja. Essa uniformidade, porém, não deve produzir tédio, pois o tédio é como o tempo pelo qual se passa sem saber porque e para quê está se passando. O sujeito que, pela simples uniformidade da sua rotina esquece o motivo pelo qual ordena sua vida daquele jeito, por certo também não será feliz. É possível que se entretenha mais por outro algo, que não o presente, e logo deixe de lado a verdadeira meta que primeiramente havia erguido para si. Assim, não será feliz, pois entrará em contradição consigo mesmo. Se frustrará, pois deixou sua consciência ser ocupada por algo que não condizia com o seu querer - pressupondo que esse querer seja um verdadeiro. Para saber o que se quer, é necessário estudar a si mesmo. Para tanto, é necessário uma vida em certa medida inativa, voltada para o interior, concentrada, tendo a mente tranquila para saber o que a apraz verdadeiramente, o que, sem dúvida, lhe chama e sempre chamará a atenção. Perder-se nessa interiorização sem limites, no entanto, também não é produtivo, pois o ser humano real não é só aquele que reflete sobre si, mas também aquele que age em meio às agitações e tumultos da vida real e partilhada com outros, para - partindo do seu propósito - realizá-lo concretamente. Eis o grande desafio: o equilíbrio. Não pender incessantemente de um lado a outro, do interior para o exterior, da reflexão para a ação, mas encontrar uma forma de - como um equilibrista - andar centrado pela fina linha que divide ambos os extremos da vida interna e externa e sempre com uma mão voltada para um lado e outra para o outro, de modo que ambas deem condições da pessoa se encaminhar devidamente, em harmonia consigo mesma, sabendo o que quer, pois refletiu a respeito e indo além dessa reflexão, procurando fazê-la valer no mundo real.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

O mundo instrui...

"no [[mundo]], pode-se encontrar [[instrução]], mas não [[felicidade]]. [...] Não experimento outro [[prazer]] a não ser o de [[aprender]]. Pode até acontecer que sigam os seus [[desejos]] e aspirações, por assim dizer, só em aparência e como uma [[brincadeira]], mas no interior e na [[seriedade]] do seu íntimo esperam apenas por instrução"

([[Schopenhauer]]. _Aphorismus zur Lebensweissheit_. [[AL]]. Cap. V: Parêneses [exortações] e máximas. [A] Máximas gerais.)

Para esclarecer o que é possível encontrar no mundo é necessário esclarecer o que é o mundo.

O mundo é o [[todo]]. A soma de [[tudo]] quanto há. O conglomerado de todas as [[partes]].

O que há dentro do mundo, do todo, é tudo, toda parte - que é possível encontrar no mundo. 

As partes do mundo instruem, dão informações sob ele, orientam a seu respeito, dão a sua ordem, mostram a maneira segundo a qual é ordenado, adestram-se mutuamente enquanto partes, pois a delimitação de uma parte, imediatamente influencia na determinação da seguinte, anexam dados que comprovam alegações razoáveis contidas em uma reivindicação sob o todo. ([[Michaelis]]. Dicionário brasileiro da língua portuguesa. Instruir.)

Para dizer porque não se encontra felicidade no mundo, é preciso esclarecer o que é felicidade.

Felicidade é cumprir com o seu propósito.

Se o humano é uma parte do mundo e a parte do mundo instrui, dá informações, orienta, é necessário que faça valer a natureza daquilo que é e de tudo aquilo que há ao seu redor, ou seja, que seja instruído para poder instruir, que aprenda para poder ensinar. Algo, de alguma parte, seja o que for. 

Um médico, por exemplo, se instrui a respeito de como trabalhar pela saúde humana, pois é a parte do mundo que mais chama a atenção da parte do mundo que ele é. Dedicando-se a tais instruções, faz vale a sua natureza de ser parte do mundo.

Quando uma parte tiver cumprido com o propósito de fazer valer completamente a sua natureza de ser parte e tiver aprendido e sido plenamente instruído a respeito de todas as partes, por cada uma delas, não mais será constituído como parte, mas como o próprio todo. Terá somado, em si, todas as partes que existem e terá vencido o mundo, tornando-se ele próprio, por inteiro.

Utopia na qual, à primeira vista, só se pode crer e não saber logicamente que se pode alcançar.

Porém, o que é cada uma das partes se não o próprio mundo, parcializado? 

Não é assim também para cada instrução até que se alcance a felicidade plena?

Cada instrução pode não ser a felicidade completa e sim apenas uma gradação sua, mais triste ou alegre, mais dolorosa ou prazerosa, porém, por certo, tudo o que se vive, na medida em que necessariamente é causado por e provoca instrução, é parte da felicidade maior, que é o cumprimento do propósito de ser parte do mundo e fazer valer o seu ordenamento, sendo instruído e instruindo a seu respeito, pelo ser que se é.

O médico, na medida em que é instruído a ser médico e passa a sê-lo, na medida em que o é, já passa a instruir outros sobre como deve ser um médico.

Assim é com toda parte. Pelo que cada uma é, se torna um instrutor exemplar daquilo que se é.